“Odeio ler. Odeio qualquer pessoa que leia ou que me mande ler! Eu não quero
ler!”.
Assim eu me deparei certo dia de inverno, com uma ‘pessoinha’ que gritava
aos ventos: Odeio ler! Era final de tarde, o vento corria pela janela da sala de
aula. Por mais que eu tentasse acalmá-la, ela não parava de gritar. Para as
demais pessoas presentes naquela escola aquela criatura parecia estar sendo
torturada e torturada por mim, uma leitora assídua e feliz. Diante de tamanha
raiva, tentei, após acalmar a criatura, refletir o porquê de tamanha revolta.
Seria comigo? Com algum familiar? Com a escola? Não. Era contra aquele
momento... A leitura.
Depois de acalmar os meus sentimentos de revolta, incompreensão e
indignação em ter um ser histérico em minha sala de aula e de conseguir
acalmar os olhos assustados dos demais alunos, fiquei pensando em qual
deveria de ser a minha próxima atitude naquele momento.
Quero confessar a vocês que professor não é o dono da verdade e nem um
controlador total de seus sentimentos e emoções. Senti uma imensa tristeza,
primeiramente, em saber que eu, uma escritora, tinha em minha frente uma
pessoa que ODIAVA ler. Depois senti uma raiva de mim mesma por não ter
conseguido passar para aquela criatura pequena o gosto pela leitura e, após
alguns momentos de reflexão e de isolamento no banheiro dos professores,
voltei para a sala de aula a fim de tentar compreender o porquê de tamanha
explosão.
Obviamente, não foi naquele mesmo dia que se deu tal entendimento, nem
naquela mesma semana. Descobri também que professores não são superheróis. Algumas noites divagando com o meu travesseiro e alguns dias de
inverno tiveram que passar até que eu tivesse e tomasse coragem para
abordar aquele meu aluno de nove anos e que vinha de outra escola.
Entre ‘tapas e beijos’ – a conversa não foi fácil – obtive a resposta
estarrecedora: a leitura era uma forma de castigo que ele tinha na outra escola.
Sim. Cada mau ato cometido em sala de aula, o menino tinha que pegar um
livro e ficar lendo no recreio ou deixar de jogar com os colegas e passar a
ler e fazer relatórios intermináveis. Em casa, os pais foram ‘aconselhados’ a
continuar com a mesma prática educativa e mortífera: ler pra aprender.
O que falar para uma criança de nove anos? O que dizer aos pais daquela
criatura irritadíssima e cheia de ódio? Difícil decisão.
Aos poucos, com jeitinho,
fui mostrando ao aluno que ler poderia ser algo agradável. Leitura em grupo,
livros com muita gravura, contações de histórias, algumas outras técnicas
foram aplicadas em prol da salvação do menino e da leitura.
Não vou mentir para vocês: não foi fácil - nunca é fácil. Como transformar
o “bicho-papão” em algodão? Para resumir esse episódio, ao qual ficará
marcado para sempre na lembrança do aluno e da professora (eu), o máximo
que consegui foi que ele parasse de gritar toda vez que via um livro. HQs
conseguiram amenizar um pouco a situação. Ele terminou o ano letivo sem
amar a leitura, mas passou a respeitar os livros e as pessoas que liam. Certo
dia, no final do ano letivo, eu flagrei-o sentado no chão, no fundo da sala
de aula, esboçando um leve sorriso. Em suas mãos tinha um livro: Os três
porquinhos.
O que aconteceu com esse menino após esse ano? Não sei. Será que um
dia ele gostará de ler? Também não sei. Mas o que será que mudou na vida
daquela professora que um dia ensinou àquele menino que ler é horrível. Um
castigo? Provavelmente, ela também seja fruto de uma educação não leitora.
Talvez, um dia, quem sabe, eles se encontrem: professora, aluno e livro. O que
cada um deles poderá dizer sobre esse episódio?
Por fim, depois do tempo que separou aquele dia do de hoje, eu tenho que
concordar com aquele menino: Odeio ler! Sim, eu também odeio ler. Odeio ler
histórias como essa que estou escrevendo agora, histórias de maldade, de
repressão, de loucura, de assassinato da pessoa e da leitura. Chegará um dia
em que a leitura será também, símbolo de vida e prazer para todos.
Até o nosso próximo encontro,
Cláudia de Villar

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