quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Odeio ler

“Odeio ler. Odeio qualquer pessoa que leia ou que me mande ler! Eu não quero ler!”. Assim eu me deparei certo dia de inverno, com uma ‘pessoinha’ que gritava aos ventos: Odeio ler! Era final de tarde, o vento corria pela janela da sala de aula. Por mais que eu tentasse acalmá-la, ela não parava de gritar. Para as demais pessoas presentes naquela escola aquela criatura parecia estar sendo torturada e torturada por mim, uma leitora assídua e feliz. Diante de tamanha raiva, tentei, após acalmar a criatura, refletir o porquê de tamanha revolta. Seria comigo? Com algum familiar? Com a escola? Não. Era contra aquele momento... A leitura. 
Depois de acalmar os meus sentimentos de revolta, incompreensão e indignação em ter um ser histérico em minha sala de aula e de conseguir acalmar os olhos assustados dos demais alunos, fiquei pensando em qual deveria de ser a minha próxima atitude naquele momento. Quero confessar a vocês que professor não é o dono da verdade e nem um controlador total de seus sentimentos e emoções. Senti uma imensa tristeza, primeiramente, em saber que eu, uma escritora, tinha em minha frente uma pessoa que ODIAVA ler. Depois senti uma raiva de mim mesma por não ter conseguido passar para aquela criatura pequena o gosto pela leitura e, após alguns momentos de reflexão e de isolamento no banheiro dos professores, voltei para a sala de aula a fim de tentar compreender o porquê de tamanha explosão. Obviamente, não foi naquele mesmo dia que se deu tal entendimento, nem naquela mesma semana. Descobri também que professores não são superheróis. Algumas noites divagando com o meu travesseiro e alguns dias de inverno tiveram que passar até que eu tivesse e tomasse coragem para abordar aquele meu aluno de nove anos e que vinha de outra escola. 
Entre ‘tapas e beijos’ – a conversa não foi fácil – obtive a resposta estarrecedora: a leitura era uma forma de castigo que ele tinha na outra escola. Sim. Cada mau ato cometido em sala de aula, o menino tinha que pegar um livro e ficar lendo no recreio ou deixar de jogar com os colegas e passar a ler e fazer relatórios intermináveis. Em casa, os pais foram ‘aconselhados’ a continuar com a mesma prática educativa e mortífera: ler pra aprender. O que falar para uma criança de nove anos? O que dizer aos pais daquela criatura irritadíssima e cheia de ódio? Difícil decisão. 

Aos poucos, com jeitinho, fui mostrando ao aluno que ler poderia ser algo agradável. Leitura em grupo, livros com muita gravura, contações de histórias, algumas outras técnicas foram aplicadas em prol da salvação do menino e da leitura. Não vou mentir para vocês: não foi fácil - nunca é fácil. Como transformar o “bicho-papão” em algodão? Para resumir esse episódio, ao qual ficará marcado para sempre na lembrança do aluno e da professora (eu), o máximo que consegui foi que ele parasse de gritar toda vez que via um livro. HQs conseguiram amenizar um pouco a situação. Ele terminou o ano letivo sem amar a leitura, mas passou a respeitar os livros e as pessoas que liam. Certo dia, no final do ano letivo, eu flagrei-o sentado no chão, no fundo da sala de aula, esboçando um leve sorriso. Em suas mãos tinha um livro: Os três porquinhos. O que aconteceu com esse menino após esse ano? Não sei. Será que um dia ele gostará de ler? Também não sei. Mas o que será que mudou na vida daquela professora que um dia ensinou àquele menino que ler é horrível. Um castigo? Provavelmente, ela também seja fruto de uma educação não leitora. Talvez, um dia, quem sabe, eles se encontrem: professora, aluno e livro. O que cada um deles poderá dizer sobre esse episódio? Por fim, depois do tempo que separou aquele dia do de hoje, eu tenho que concordar com aquele menino: Odeio ler! Sim, eu também odeio ler. Odeio ler histórias como essa que estou escrevendo agora, histórias de maldade, de repressão, de loucura, de assassinato da pessoa e da leitura. Chegará um dia em que a leitura será também, símbolo de vida e prazer para todos. Até o nosso próximo encontro, Cláudia de Villar

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